Ciência
Tão antiga quanto a própria existência do homem é sua inquietude diante da percepção e da compreensão dos objetos e dos fenômenos que o cercam. As noções sobre astronomia, geometria e física herdadas de antigas civilizações, como a suméria, a egípcia, a babilônia e a grega, constituem o alicerce do pensamento científico contemporâneo.
Em termos gerais, ciência se confunde com qualquer saber humano. Em sentido estrito, define-se ciência como as áreas do saber voltadas para o estudo de objetos ou fenômenos agrupados segundo certos critérios e para a determinação dos princípios que regem seu comportamento, segundo uma metodologia própria.
Origem das ciências
Em última instância, a origem da ciência radica na capacidade de raciocínio do homem e em sua disposição natural para observar. Os primeiros seres humanos se deixaram fascinar pelo espetáculo oferecido pelos astros e, após observação contínua de sua movimentação, perceberam certa regularidade nos ciclos solar e lunar e na passagem periódica de cometas. A primeira grande conquista científica foi, portanto, a constatação de que certos fenômenos se repetem.
A imitação da natureza e a necessidade de superá-la e dominá-la, as inovações técnicas exigidas por cada sociedade para satisfazer seus interesses bélicos e comerciais e o prazer intelectual do conhecimento foram fatores decisivos no desenvolvimento inicial da ciência. Cada etapa da evolução científica esteve impregnada da filosofia de seu tempo e, em algumas épocas, houve grande empenho em justificar teoricamente certas concepções políticas ou teológicas. O conflito ideológico entre ciência e religião, ou entre ciência e ética, foi um traço marcante de muitas civilizações ao longo da história.
O vertiginoso avanço científico verificado nos séculos XIX e XX favoreceu o aparecimento de correntes de pensamento que pretendiam substituir os preceitos morais pelos princípios da ciência. Esse propósito, no entanto, viu-se prejudicado pelas questões éticas levantadas pela utilização das descobertas científicas. Embora na maior parte dos casos os estudos científicos não suscitem problemas metafísicos e proporcionem bem-estar e progresso, comprovou-se que podem converter-se em poderoso instrumento de destruição quando postos a serviço da guerra. O aproveitamento da energia nuclear para fins militares toldou em parte o ideal científico racionalista.
Por outro lado, surgiram recentemente outras questões polêmicas, envolvendo a engenharia genética, sobretudo no que se refere à manipulação das primeiras fases da vida humana, com a inseminação artificial, a fecundação in vitro, o congelamento de embriões e a possível produção de clones humanos.
Classificação das ciências
A ambição de saber própria do ser humano fez aumentar de tal forma o volume do conhecimento acumulado que este supera em muito o saber particular de cada indivíduo, tornando necessária a criação de sistemas de ordenação e classificação. O próprio conceito de ciência e sua evolução histórica trazem a necessidade de estipular a área de conhecimento que compete a cada disciplina científica. Criou-se assim a taxionomia, ou teoria da classificação, disciplina independente que determina o objeto de cada área do conhecimento científico.
Aristóteles formulou uma primeira classificação que distinguia três grupos: o das ciências teóricas (física, matemática e metafísica), o das ciências práticas (lógica e moral) e o das ciências produtivas (arte e técnica). Entre os muitos métodos classificatórios menciona-se especialmente o do físico francês André-Marie Ampère, do início do século XIX, segundo o qual as ciências se dividiam em duas áreas: as chamadas ciências cosmológicas (subdivididas em cosmológicas propriamente ditas e fisiológicas), que estudavam a natureza, enquanto as ciências noológicas (subdivididas em noológicas propriamente ditas e sociais) referiam-se aos raciocínios abstratos e às relações dos seres humanos em sociedade.
Embora se haja mantido a pluralidade de critérios no que se refere à ordenação científica, a tendência moderna é definir várias áreas de conhecimento e englobar em cada uma delas múltiplas disciplinas. O conjunto das ciências exatas agrupa a matemática, a física e a química. As ciências biológicas ocupam-se do estudo dos seres vivos em diversos níveis (celular, de tecidos, de órgãos etc.) e compreende grande número de disciplinas, como a botânica, a zoologia, a genética, a ecologia etc. Uma terceira área de conhecimento agrupa as ciências geológicas e geográficas, que tratam dos fenômenos relativos à Terra, e as astronômicas, relacionadas ao cosmos. Em outra esfera situam-se as ciências médicas, também muito diferenciadas, e um quinto segmento englobam as ciências sociais (economia, sociologia, demografia etc.).
As diversas disciplinas podem também classificar-se em dois grandes grupos, segundo seu objeto seja puramente científico, sem finalidade prática imediata (a chamada pesquisa de ponta) ou integrem a área das ciências aplicadas, como as pesquisas tecnológicas que se desenvolvem nas áreas mais especializadas da engenharia, arquitetura, metalurgia e muitas outras.
História da ciência
Admitindo-se a curiosidade e a ânsia de conhecer como qualidades inatas do gênero humano, pode-se afirmar que o nascimento da ciência deu-se com as primeiras observações dos homens primitivos, antes mesmo que fosse inventada a escrita.
Primeiras civilizações. Alguns monumentos megalíticos, como o cromlech de Stonehenge, na Inglaterra, são testemunho de que os europeus pré-históricos possuíam noções de astronomia e geometria muito superiores às que lhes foram atribuídas durante séculos.
Os primeiros centros importantes de irradiação científica localizaram-se na China, na Índia e no Oriente Médio. A sabedoria e a técnica chinesas superaram as ocidentais durante quase toda a antiguidade. Os sábios chineses mediram fenômenos celestes em tempos muito remotos e progrediram extraordinariamente na alquimia, na medicina e na geografia, apoiados por seus governantes. Os indianos, mais interessados em questões metafísicas, desenvolveram muito a matemática e deram ao mundo moderno o sistema de numeração, transmitido e aperfeiçoado pelos árabes. No Egito prestava-se mais atenção à resolução de problemas técnicos, enquanto na Mesopotâmia os caldeus e babilônios dedicaram-se sobretudo à astronomia e à matemática, além de aperfeiçoarem as técnicas de irrigação e construção de canais.
Cultura grega
O surgimento de uma cultura como a grega, isenta de misticismo exacerbado e onde os deuses eram mais sobre-humanos que divinos, deu lugar aos primeiros modelos racionalistas. Sua filosofia foi a mais importante da antiguidade e serviu de modelo à ciência teórica, baseada na educação e não na experiência, conhecida como filosofia natural. A tradição helênica consagrou Tales, que viveu em Mileto, cidade grega da Anatólia ocidental, no século VI a.C., como o primeiro representante dessa corrente de pensamento. Tales procurou a ordem universal (kosmos em grego significa ordem) mediante a determinação dos elementos fundamentais que compõem o mundo e considerou o destino como motor dos corpos, que se encaminham naturalmente para seu próprio fim. Não deixou escritos, mas discípulos transmitiram e complementaram suas teorias. Chegou-se assim à suposição de que todos os corpos conhecidos se formavam dos quatro elementos: terra, fogo, água e ar.
Fundamental para a ciência grega foi o pensamento de Pitágoras, um dos primeiros a medir fenômenos físicos. Estabeleceu ele as leis acústicas pelas quais se relacionam as notas musicais e aplicou a mesma teoria à disposição dos planetas, do Sol, da Lua e das estrelas no firmamento: esses corpos celestes girariam em volta da Terra em sete esferas concêntricas.
A síntese do pensamento grego veio com Aristóteles, cuja preocupação foi manter a concepção espiritualista de seu mestre, Platão, integrando-a, porém, numa explicação científica do mundo físico. Aristóteles adotou o modelo de esferas concêntricas de Pitágoras. Seus acertos na classificação dos seres vivos foram excepcionais, embora, por falta de conhecimentos matemáticos suficientes, tenha enunciado teorias físicas que, devido ao enorme prestígio que conquistaram na Idade Média, constituíram mais entrave do que benefício na história da ciência. Destaca-se também a figura de Arquimedes, que, discípulo do matemático Euclides, descobriu importantes leis da hidrostática, as roldanas e a alavanca.
As teorias gregas, que atribuíam ao mundo físico os ideais de beleza e perfeição plasmados em suas esculturas, viram-se seriamente abaladas depois da conquista da Mesopotâmia por Alexandre o Grande, pois os cálculos e medidas astronômicas dos caldeus puseram a descoberto falhas e incoerências nos modelos cósmicos aristotélicos. Mais tarde, Ptolomeu conseguiu reduzir as discrepâncias adotando o sistema geocêntrico, que situava a Terra no centro do universo.
A medicina grega atribuía causas naturais a todas as doenças. Hipócrates, estudioso da anatomia e do corpo humano, é considerado o pioneiro da medicina, embora esta tenha chegado ao apogeu na época helenística alexandrina. Destacaram-se então os estudos de Galeno de Pérgamo, que descobriu as veias, as artérias e os nervos, aos quais caberia propagar a energia vital pelo corpo.
Roma, Islã e cristianismo medieval.
O esplendor da ciência de Arquimedes e Euclides coincidiu com o estabelecimento do poder romano no Mediterrâneo. Os romanos limitaram-se a preservar os estudos dos gregos e preferiram resolver problemas de engenharia e arquitetura. Com a decadência e queda do Império Romano, os textos da antiguidade clássica praticamente desapareceram na Europa. A expansão do cristianismo, que se produziu nos últimos séculos do Império Romano, deu novo alento às interpretações espirituais e teológicas do mundo. Somente os mosteiros serviram de refúgio para a ciência antiga, pois neles os monges fizeram cópias manuscritas e comentários dos livros salvos dos saques promovidos pelas tribos germânicas que invadiram o continente.
A civilização árabe assimilou o acervo cultural do Ocidente e transmitiu o saber antigo à cristandade pela ocupação da península ibérica. Traduziram a obra de Aristóteles e de outros filósofos, fizeram progressos na medicina, na astronomia e na alquimia e inventaram a álgebra. Nesse contexto, sobressaem as figuras de Averroés, tradutor e comentarista da obra aristotélica, e de Avicena, cujo Canon foi o texto básico de medicina durante toda a Idade Média.
A cultura cristã medieval submeteu todo o conhecimento ao enfoque teológico. Registraram-se, no entanto, alguns avanços tecnológicos notáveis. As pesquisas no campo da óptica atingiram grande desenvolvimento e a utilização de novas máquinas (como jogos de roldanas) e ferramentas (maças, cinzéis, rolos) permitiram aperfeiçoar os processos de construção e deram base técnica aos estilos arquitetônicos românicos e góticos.
Revolução científica e revolução industrial. A consolidação do estado como instituição, a intensificação do comércio e o aperfeiçoamento da tecnologia militar contribuíram para aumentar o interesse pelas realizações técnicas. O Renascimento, primeiro na Itália e depois no resto da Europa, contribuiu com uma visão mais completa dos clássicos da antiguidade e levou ao humanismo, que concebia o homem como imagem de Deus, capaz e digno de criar. O exemplo máximo de gênio criador do Renascimento foi Leonardo da Vinci, que se destacou como artista, inventor, engenheiro e perito em anatomia humana.
Os antigos modelos teóricos já não comportavam o volume gigantesco dos novos conhecimentos e, por isso, a maior parte das perguntas ficava sem resposta. Era preciso estabelecer um modelo básico e uma metodologia que servissem de orientação para os novos estudos. Esses recursos foram fornecidos por Copérnico, Galileu, Newton e outros cientistas, que tiveram de superar dois obstáculos de monta: as idéias e o prestígio de Aristóteles, muito arraigados no espírito medieval, e a hegemonia dos princípios defendidos pela igreja.
O heliocentrismo, modelo que situa o Sol no centro do universo, já fora usado por Aristarco de Samos na Grécia antiga. Não podendo ser confirmado pela experiência, foi superado pelo geocentrismo de Ptolomeu. Copérnico enfrentou o mesmo problema ao formular sua teoria heliocêntrica, embora apoiado pelos estudos e observações de outros astrônomos, como Tycho Brahe, Kepler e Galileu, que foi o primeiro a utilizar o telescópio.
A obra De humani corporis fabrica libri septem (1543; Sete livros sobre a organização do corpo humano), de Andreas Vesalius, aplicou um novo método ao estudo do corpo humano, que contestava Galeno em algumas opiniões, até então tidas como irrefutáveis. A química, ainda centrada na análise da enorme quantidade de substâncias descobertas pelos alquimistas, só encontrou seu caminho científico moderno com Lavoisier, no século XVIII.
No século XVII, Newton publicou sua obra magna: Philosophiae naturalis principia mathematica (1687; Princípios matemáticos da filosofia natural), em que não só anunciava as leis fundamentais do movimento dos corpos e da gravitação universal, como apresentava um método de trabalho que se mostraria aplicável a muitas áreas científicas. Simultaneamente com Leibniz, Newton inventou o cálculo infinitesimal, que daria a seus sucessores um valioso instrumento matemático. Uma das conseqüências mais importantes das idéias e do método newtonianos manifestou-se no século XVIII, quando Coulomb enunciou uma lei análoga à lei de Newton para a mecânica, aplicável à eletricidade.
As ciências biológicas progrediram mais lentamente que as ciências técnicas. No século XVIII, porém, surgiu a primeira classificação rigorosa de animais e vegetais que se conhece desde a época de Aristóteles. Com ela, o sueco Carl von Linné, conhecido como Lineu, lançou as bases da taxionomia moderna na classificação botânica e zoológica.
Atomismo, evolução e relatividade.
No século XIX surgiu um novo enfoque das ciências, marcado de certa forma pela descoberta do mundo microscópico e pela formulação de modelos atômicos. A conexão entre as forças elétricas e magnéticas, corroborada por Oërsted e Faraday, deu origem a uma teoria unitária das modalidades físicas de ação recíproca que se mantém até hoje. Houve grandes progressos nos métodos matemáticos e, conseqüentemente, na formulação de complexos modelos teóricos. Joule e Helmholtz estabeleceram o princípio de conservação da energia e Helmholtz descobriu também a natureza eletromagnética da luz.
Com a teoria atômica de Dalton e o sistema periódico de Mendeleiev, a química consolidou seus princípios e seu método, enquanto a biologia teve grande impulso com os estudos de classificação realizados por Cuvier. Ainda no século XIX, o naturalista inglês Darwin provocou uma autêntica revolução, que durante muitos anos foi objeto de controvérsia, com a publicação do livro On the Origin of the Species by Means of Natural Selection (1859; A origem das espécies), onde se acha exposta a célebre teoria da evolução. Em 1838, Schwann e Schleiden lançaram as bases da teoria celular. Pouco depois, Pasteur e Koch estudaram a natureza dos germes microscópicos causadores das enfermidades e criaram as primeiras vacinas. As ciências sociais progrediram e deram nascimento à sociologia e à economia como disciplinas científicas e independentes.
O século XX principiou com a descoberta da radioatividade natural por Pierre e Marie Curie e o anúncio de novas doutrinas revolucionárias. A confirmação do conceito evolucionista das espécies e a extensão dessa idéia ao conjunto do universo, junto com a teoria quântica de Planck e a teoria da relatividade de Einstein, levaram a um conceito não-causal do cosmo, em que só é lícito adquirir conhecimento a partir de dados estatísticos, cálculos de probabilidade e conclusões parciais. Nada disso implica um retrocesso na validade do método científico, pois não se duvida que esse método assegurou enormes progressos tecnológicos, mas sim um reconhecimento, por parte da ciência, de sua incapacidade de dar respostas cabais sobre a natureza e a origem do universo.
Na segunda metade do século XX, os métodos de observação de alta precisão apresentaram notáveis progressos com o descobrimento do microscópio eletrônico, no qual as lentes foram substituídas por campos eletromagnéticos e a luz por um feixe de prótons, e dos microscópios de raios X e de ultra-som, com grande poder de resolução.
A reunião de disciplinas como a automação, destinada ao estudo e controle dos processos em que o homem não intervém diretamente, e a informática, ou conjunto de técnicas dedicadas à sistematização automática da informação, nasceram outras disciplinas como a robótica, que se ocupa do desenho e do planejamento de sistemas de manipulação a distância. Essa área de conhecimento teve aplicação, por exemplo, na astronáutica. Permitiu que o homem chegasse à superfície da Lua ou viajasse pelo espaço cósmico.
No campo da astronomia foram criadas disciplinas como a astronomia das radiações ultra-violeta e infravermelha, dos raios X, gama e outros. Esses progressos se devem aos conhecimentos da física nuclear, que permitiram descobrir uma enorme quantidade de fenômenos e de corpos celestes, como os buracos negros, objetos astrais de densidade elevada e que não emitem radiação, e os quasares, objetos semelhantes às estrelas que emitem radiações de grande intensidade.
A ciência moderna tem-se esforçado para obter novos materiais e fontes de energia alternativas para o carvão e o petróleo. O progresso da técnica permitiu a fabricação de semicondutores e dispositivos eletrônicos que conduziram aos computadores modernos. O domínio dos processos atômicos e nucleares possibilitou a construção de centrais elétricas e instrumentos de precisão. A aplicação de novas tecnologias na medicina e o maior conhecimento do corpo humano e de seus mecanismos proporcionaram uma melhora apreciável nas condições de vida dos habitantes do planeta
Ciência ou ciências?
No vasto domínio da experiência humana, a ciência ocupa incontestavelmente um lugar de destaque. É apontada como a responsável pelo prodigioso progresso das sociedades mais desenvolvidas e cada vez mais ocupa um lugar mítico no imaginário das pessoas. E se atendermos ao progressivo afastamento da prática científica da vida quotidiana e à auréola de mistério que envolve os seus praticantes, então podemos dizer que a ciência cada vez mais ocupa na nossa sociedade o lugar dos feiticeiros nas sociedades primitivas: confiamos cegamente nas suas práticas sem contudo as compreender adequadamente. Ela povoa cada vez mais o nosso quotidiano, cada vez nos tornamos mais dependentes das suas descobertas e cada vez mais difícil se torna a compreensão dos seus procedimentos. Utilizamos transistores e lasers sem percebermos o que é a mecânica quântica, utilizamos os satélites nas comunicações audiovisuais sem sabermos que é devido à teoria da relatividade que eles se mantêm em órbitas geoestacionárias.
Vamos, pois tentar, em primeiro lugar, compreender o que é o conhecimento científico, tendo em conta que a ciência é hoje uma realidade complexa e multifacetada, onde dificilmente se descobre uma unidade.
6.1 Características da ciência
Existem, no entanto, certo número de atributos ou características que normalmente associamos à ciência: ela parte da crença num universo ordenado, sujeito a leis acessíveis à razão; pretende encontrar as causas ocultas dos fenômenos visíveis, através de teorias que são submetidas ao crivo da experiência; as suas explicações procuram ser objetivas, isentas de emoções, visando o real tal como ele é.
Habituámo-nos a aceitar como naturais e credíveis as suas explicações para os mais variados problemas (mesmo que não compreendamos o alcance dessas explicações) e, naturalmente, consideramos desprovidas de rigor e menos legítimas as respostas dadas pela feitiçaria, pelas religiões, pelos misticismos (embora a atitude que temos para com a ciência, muito tenha de mítico-religioso). Todavia, a importância que hoje damos à ciência e aquilo que hoje se considera como sendo ciência, é o resultado de um longo processo evolutivo que tem as suas raízes históricas no pensamento mítico-religioso, e que traduz o modo como o homem ocidental se relaciona com o mundo à sua volta. Em certo sentido, podemos mesmo dizer que as características da ciência acabam por se clarificar no confronto com essas atitudes mitico-religiosas e face ao contexto cultural em que ela se foi afirmando historicamente (cf. texto de F. Jacob, Ciência e mito: características da ciência).
6.2 Unidade e diversidade das ciências
Nos séculos anteriores era relativamente fácil aos homens do saber dominar todas as áreas do conhecimento. Platão ou Aristóteles eram detentores de um saber tão diversificado que englobava os conhecimentos da época sobre a Matemática, a Física, a Psicologia, a Metafísica, a Literatura, etc. O mesmo acontecia, sem grandes alterações, na Idade Moderna. Só a partir, sobretudo do séc. XIX, e sob o impulso da industrialização, assiste-se a uma progressiva fragmentação do saber: na constante busca da novidade e da descoberta, vai-se especializando a tal ponto que dentro da mesma área pode haver tantas especializações que tornam impossível uma visão de conjunto dos problemas em questão. Porém os riscos que daí advém são grandes e cada vez mais se sente hoje a necessidade de grandes sínteses integradoras destes saberes dispersos (cf. texto de L. Geymonat, A especialização do saber científico).
6.3 Ciências "humanas" e ciências "exatas"
Essas sínteses deveriam aproximar não só os saberes da mesma área, mas também e, sobretudo os saberes mais voltados para as aplicações técnicas dos saberes que constituem habitualmente a chamada "cultura humanística". Em suma, é necessário o diálogo entre os engenheiros e os filósofos, entre os economistas e os sociólogos, entre os matemáticos e os psicólogos, na compreensão da especificidade de cada saber, aliando o tratamento especializado das chamadas "ciências exatas" com a visão globalizante dos problemas característicos das "ciências humanas" (cf. texto de Isabelle Stengers), a ciência pode ser descrita como um jogo a dois parceiros: trata-se de adivinhar o comportamento duma realidade distinta de nós, insubmissa tanto às nossas crenças e ambições como às nossas esperanças. Prigogine e Stengers
7.0 Ciência e reflexão filosófica
A filosofia tem desempenhado um papel determinante na clarificação de alguns problemas que surgem no decurso da prática científica. É a própria ciência que recorre à filosofia na tentativa de encontrar pela via da reflexão e do debate, resposta para os seus problemas. Mas o saber científico enquanto atitude e enquanto mentalidade caracterizada da cultura ocidental, implica da parte de toda a sociedade uma tomada de consciência daquilo que é a própria ciência e do que são as conseqüências dos seus procedimentos e aplicações práticas. E sendo verdade que cada vez mais o cidadão comum tem mais dificuldade em compreender o que é o domínio da ciência, quer devido à sua progressiva especialização quer devido à abstração crescente das suas abordagens, por isso mesmo se impõe a necessidade de pensar sobre os seus limites e as suas práticas.
7.1 Ciência e sociedade
Sendo a nossa sociedade tão fortemente dependente das descobertas científicas, torna-se pois necessário formular perguntas que equacionem a relação da ciência com a sociedade, e mais concretamente sobre o papel que essa ciência desempenha na vida das pessoas. É que apesar de vermos constantemente o nosso quotidiano invadido por produtos derivados das descobertas científicas, não é menos certo que a ciência não pode resolver todos os problemas que se colocam ao Homem. Não nos podemos pois iludir relativamente às potencialidades da ciência; devemos ter consciência dos seus limites, daquilo que ela pode ou não pode dar à sociedade (cf. texto de B. Sousa Santos, Um discurso sobre as ciências).
7.2 Ciência e cultura
Embora a dependência da nossa cultura face à ciência seja cada vez maior, não deixa porém de ser também verdade que o conhecimento que dela temos diminui na mesma proporção. É certo que o mundo do cientista se afasta cada vez mais do nosso quotidiano, e a progressiva especialização dos saberes implica abordagens progressivamente mais elaboradas, só acessíveis a uma minoria. (cf. texto de Alexandre Magro, O estranho mundo da ciência). Porém não podemos esquecer que a ciência é um produto cultural, sendo portanto necessário um crescente trabalho de divulgação científica, que assegure ao grande público um conjunto de referências científicas gerais, permitindo que ele se possa orientar melhor no mundo contemporâneo, protegendo-se de possíveis abusos ideológicos (cf. texto de J. Bronowski, Referências científicas e referências culturais).
7.3 Os limites de uma cultura científico-tecnológica
Fruto de um desconhecimento do que constitui a prática e as possibilidades da ciência, usualmente ela tem sido vista como a solução para todos os males, à semelhança de um deus que age de forma misteriosa. Ao longo do nosso século esta firme crença nas suas potencialidades não parou de aumentar e ela foi associada aos grandes sucessos da energia barata, do aumento da produção alimentar, da longevidade e do aumento da qualidade de vida resultantes dos grandes sucessos da medicina. Mas esta imagem risonha cedo mostrou o seu reverso e hoje, cada vez mais, a ciência tem sido associada a tudo que contribui para destruir a harmonia que existia entre o homem e a natureza (cf. texto de Rui Cardoso, Ciência: da esperança à desilusão).
Vários fatores contribuíram para esta alteração de atitude. O mais evidente, talvez, é a crescente degradação do ambiente devido à aplicação tecnológica e industrial dos produtos da investigação científica (cf. texto de H. Reeves, Desenvolvimento tecnológico e preocupações ecológicas). Todavia, o problema não seria apenas uma questão de aplicação da ciência por parte dos detentores do poder econômico: na própria ciência, certos pensadores vislumbram uma indisfarçavel vontade de domínio sobre a natureza (cf. texto de I. Prigogine e I. Stengers, Ciência: a vontade de poder disfarçada de vontade de saber). Esta questão não pode ser dissociada do problema das relações entre ciência, ética e política.
7.4 Ciência e política
Se por um lado as recentes investigações no campo da ciência fazem-nos temer o pior, existindo uma certa tendência para fazer do cientista o bode expiatório de todos os males da humanidade (cf. texto de Bronowski, O cientista acusado), por outro lado, felizmente, a opinião pública tem-se tornado progressivamente mais consciente e tem cada vez mais uma voz ativa nas decisões sobre a aplicação dos conhecimentos. Porém não podemos apenas pensar na ciência como uma propriedade e privilégio da cultura ocidental e, pelos vistos, as grandes descobertas da ciência não se têm traduzido numa melhoria global da qualidade de vida da humanidade em geral. A grande lição a tirar dos progressivos avanços científicos e tecnológicos deve-se traduzir numa profunda humildade e espírito crítico perante esses domínios. Estas questões merecem a atenção de responsáveis políticos como, por exemplo, o presidente da UNESCO (cf. entrevista de Federico Mayor Zaragoza, Ciência e desenvolvimento).
7.5 Ética e Ciência
Parece-nos claro também que é urgente um amplo debate sobre os limites éticos que devemos colocar à ciência. Com efeito, não cabe apenas aos cientistas ou aos políticos estabelecer as normas orientadoras da prática científica. Cabe a todos nós, cidadãos que terão que conviver com o produto das aplicações científicas, o papel de participar ativamente na definição do que consideramos bem ou mal do ponto de vista ético. E no campo das biotecnologias e da engenharia genética, muitos são os campos onde a polêmica se instala. Como por vezes a fronteira entre o que é eticamente aceitável ou condenável nem sempre é fácil de traçar, resta-nos apelar para a responsabilidade das pessoas envolvidas na tomada de decisões, convictos de que esta só será acertada se houver uma consciência clara dos riscos envolvidos, e uma preocupação em ouvir toda a comunidade interessada na definição do melhor caminho para todos (cf. texto de Jacques Delors, O primado da ética). Neste debate, as opiniões dos próprios cientistas merecem particular atenção, pois elas representam o pensamento daqueles que mais de perto lidam com os problemas inerentes à investigação científica (cf. texto: Os cientistas perante a ética).
7.6 Valor do espírito científico
Se forem evidentes os riscos mais ou menos diretamente relacionados com a ciência e os seus produtos, não podemos deixar de acentuar também os seus aspectos positivos. Mais uma vez, o mal da poluição, do subdesenvolvimento, do esbanjamento de recursos naturais, do aumento do fosso entre ricos e pobres pode não estar na ciência e na técnica, mas na sua aplicação. Se formos a ver bem, para começar, num mundo dominado por paixões políticas, por fundamentalismos, racismos e xenofobias, um pouco mais de frieza e objetividade científicas viriam a calhar (cf. texto de François Jacob, Espírito científico e fanatismo).
8.0 Conclusão
Estamos agora em condições de ter da atividade científica uma visão mais esclarecida. Podemos agora mais facilmente compreender as potencialidades da ciência e os seus limites, aquilo que ela pode ou não pode, deve ou não deve fazer. E se ela pode definir-se como a "organização do nosso conhecimento de tal modo que se apodera de uma parte cada vez mais considerável do potencial oculto da natureza", tal só é possível através da elaboração cuidadosa de teorias que pacientemente terão que ser submetidas à experimentação, na convicção porém de que as verdades conseguidas não passam de conjecturas cuja validade depende do acordo que mantêm com a realidade (cf. O estatuto do conhecimento científico). Por isso resta-nos acreditar nas possibilidades da ciência, convictos de que ela é um produto humano, e como tal, falível.
Os modelos teóricos que os cientistas vão elaborando terão então que ser vistos como uma das formas possíveis de descrever a realidade e não a única (cf. Os grandes mitos, As respostas dos filósofos e Ontologias da contemporaneidade), pois mesmo que esses modelos se tornem progressivamente mais completos, não deixam, porém de ser provisórios e falíveis e o progresso científico encarregar-se-á de o provar: as leis da gravitação universal de Newton mostraram-se válidas durante duzentos anos, mas a teoria da relatividade de Einstein mostrou as suas limitações e falibilidade (cf. texto de Bronowski, Ciência e realidade).
A ciência não pode responder a todas as interrogações que se colocam à Humanidade. A satisfação das necessidades de paz, de Justiça, de felicidade releva de escolhas e não do conhecimento científico.
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